Aqui tem escola não... só tem cana

Henrique Peregrino da Trindade

“Ontem de tardinha, encontrei duas crianças numa dessas estradas poeirentas e cercadas de cana de Canavieira. Um casalzinho: um menino de uns doze anos e uma menina de dez.
Eu os vi aproximando-se de longe. Uma foice no ombro, andavam bem devagarinho um ao lado do outro. Não diziam nada, nem cantavam; não corriam, nem saltitavam, como toda criança gosta de fazer. Mas andavam como adultos debaixo de uma opressão grande demais.
Estavam vestidos, com camisa de mangas compridas, calça e de botas. De que cor, não se podia mais dizer... pois as crianças estavam totalmente cobertas, dos cabelos até os pés, de carvão e cinza. Rostos e mãos, roupas e cabelos tinha tomado a cor do carvão.
Vinham do corte da cana.
O dia tinha sido comprido para mim. Tinha caminhado mais de seis léguas nesse “inferno” verde da cana, debaixo de um sol forte, sem sombra nenhuma no meio de tanta cana, num calor intenso e úmido. Sentia o corpo suado, o cansaço, a fome. Porém, quando vi essas duas crianças, entendi que tudo tinha sido pouco.
O menino e a menina já estavam bem perto de mim, mas não pareciam ver-me. Olhavam com o olhar fixo na estrada, longe, bem em frente deles. Olhavam para além do horizonte, para além da cana; olhavam para um outro mundo... Talvez para um mundo no qual teriam direito de ser crianças.”

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