Certeza certa
Nathan
Stone, SJ
De Jesus ouvistes falar e nele fostes
instruídos, conforme a verdade que está nele: que deveis despir-vos do homem
velho, corrompido por desejos enganadores; que vos deveis renovar pela
transformação do Espírito que anima a vossa mente; e que deveis revestir-vos do
homem novo, que foi criado em conformidade com Deus, na justiça e na santidade,
próprias da verdade.
(Ef 4,23-24)
Existem
duas escolas sobre o sentido das palavras. Cada uma é
extrema. Teoricamente, elas são opostas. No entanto, estranhamente,
terminam no mesmo lugar; palavras vazias sem sentido, formalidade sem fundo,
discurso insensato que ninguém pode acreditar.
A
primeira é a escola absolutista, ou bem, essencialista. Aquela
supõe que cada palavra tem seu sentido intrínseco, preciso, matematicamente
determinável, inconfundível, sem tons cinza, sem conotações nem sentimentos nem
representações figurativas. De acordo a esta teoria, as orações
gramaticais podem ser reduzidas a equações algébricas que decretam suas
afirmações em preto e branco com toda a autoridade da Academia Francesa
das Letras. Na verdade, ninguém fala aquele idioma, com a possível exceção
dos parisienses eruditos. É útil para escrever contratos legais,
talvez, mas não serve para viver. É tão preciso que não corresponde
a nenhuma realidade no mundo. É tão perfeito como é tão falso, e
ninguém acredita nada.
A
alternativa aparente é a escola relativista, ou melhor, nominalista. Esta
supõe que a palavra em si mesma não tem sentido algum. Contexto e consenso
entregam significado ao sinal, mas em forma provisória. Assim, as orações
gramaticais não têm por que ser sequer gramaticais, porque os gritos
reiterativos de substantivos qualificados (é dizer, consignas e palavrões)
expressam um sentimento único e válido; no entanto, tão único que
ninguém, fora do locutor, pode entender de que se trata. Alguns
diriam que é a linguagem da poesia; mas não é. É o idioma do principezinho, aquele
que mora sozinho no seu próprio planeta. Ainda todos gritem a mesma
incoerência, ainda a multidão seja levada pela paixão do momento, sentido não
tem, e ninguém acredita nada.
Tudo
assim polarizado, os dois lados se desqualificam, tentando, com palavras cada
vez mais agressivas e menos significativas, impor sua versão sobre os outros, e
não acontece nada. Ninguém ganha e todos
perdem. Pior, desperdiça-se a noção da credibilidade em si.
Tem
que haver uma terceira alternativa. Não digo um meio termo, porque
às vezes, os meios termos incluem os vícios próprios dos dois
extremos. Acho que tem que existir uma linguagem que vincule sinais
válidos com realidades concretas, palavras em diálogo com referentes reais,
isto é, palavras encarnadas.
De fato, essa
linguagem existe. Senão, estaria o caos absoluto. Existe
na periferia, além da academia, longe da cúpula do poder. No centro
deste pequeno universo, já colocaram a camiseta, cada um contra seu inimigo. Apesar
de tudo, graças a Deus, a comunidade global não se tem feito pedaços
ainda. O mundo ainda está repleto da glória de Deus, de moléculas
organizadas e infundidas com a faísca da vida. Existe uma presença
real de vida verdadeira; e com sorte, poderia haver sentido verdadeiro
na linguagem, também.
Além
da prisão autoritária da linguagem absolutista, além do furacão de grunhidos
insólitos do nominalismo radical, existe certeza certa nesta duvidosa escuridão
terrena, um mapa verbal para o peregrino, que permite encontrar o caminho
acertado para chegar ao destino. Nalgum lugar, tem que haver sentido
comum, apesar de tudo.
A isso se
refere o católico quando fala da presença real na eucaristia,
e por isso, presença real no povo. Existe pão de
vida. Não estar nos supostos milagres eucarísticos próprios do time
essencialista (influenciados pelo materialismo moderno) que se alucina com
hóstias transformadas em churrasco do cadáver de Jesus. É o
Ressuscitado que se reconhece partindo o pão. Tampouco se trata
somente duma presença simbólica, uma dramatização fictícia
ocasional para lembrar. Ai, segundo o mantra relativista, tudo
dá igual.
Trata-se duma
transcendência transfigurada, uma realidade espiritual infundida no mistério
subatômico, algo difícil de capturar, porém, fundamental; algo sólido que
realmente alimenta aos que caminham para terra prometida; algo que atualiza o
Reino de Deus.
Se
o cristianismo é especulativo, para se vivenciar sentado na comodidade do ar-condicionado
com abundância de luz, água e comida, então os fieis podem dar-se o luxo de
afiliar-se aos absolutismos e arremeter-se contra seus contrários; ou
compadecer-se do nominalismo perseguido e teorizar sobre o amanhecer dum mundo
feliz onde tudo dá igual e cada um se compreende a si mesmo. Mas assim,
ninguém vai conhecer o pão da vida que desce do céu. Ninguém vai
encontrar-se com Jesus, o sinal autêntico da compaixão concreta do Pai.
Aqui,
no território missionário, precisa-se dum discurso sensato com palavras
encarnadas, com presença real do Ressuscitado para sobreviver. As
teorias não servem de nada quando mil insetos te estão picando. As
formalidades absolutas não significam nada para as cobras que a gente pisa ao
caminhar, nem para aqueles que te caluniam por proclamar o evangelho. Quando
cai uma chuva e a gente tem que atravessar o rio; quando a água te chega até os
olhos e tu continuas caminhando, pela graça de Deus, por amor ao evangelho; ai
a gente pode apalpar aquela presença real. Presença
simbólica não é suficiente. Tampouco basta um decreto do Catecismo. Se
o Ressuscitado não vai contigo, tu não vais chegar.
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TO.18.B.2012.Certeza certa
Êxodo 16,2-15, Salmo 78,
Efésios 4,17-24, João 6,24-35
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