Ao descerem da montanha...

Nathan Stone, SJ



Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. Transfigurou-se diante deles. Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar.
Marcos 9:2-3



          A devoção autêntica nasce dum vínculo forte com o Senhor da vida e do amor. Como a água que flui da vertente, brota uma religiosidade apaixonada, entregada e comprometida. É próprio do homem viver sintonizado com quem seja fonte da sua imagem e semelhança. Não se trata duma prática forçada. A criatura entra naturalmente em harmonia com seu Deus e Criador.
          Jesus convida aos amigos a descobrir quem Ele é realmente. Transfigurado no cume da montanha, Ele brilha como o sol. Ao descer, continua seu andar humilde, filho compassivo do seu Pai, e companheiro de todos. A redenção humana acontece no entrecruzamento entre a transcendência divina e a cotidiana humanidade de pescadores e carpinteiros.
          Associar-se com Jesus, em quem o amor total chega à Galileia, transforma a vida completamente. Ele devolve a dignidade, define a identidade e entrega sentido aos desvelos da gente. Estes são os discípulos autênticos, dedicados ao Reino; comprometidos com a compaixão radiante e infinita.
          Por outro lado, existem falsos discípulos. Eles desconhecem ao Transfigurado. Eles desconfiam do seu amor incondicional. Eles acreditam que a salvação se ganha flagelando-se, e insistem que os salvos serão poucos. Sua bandeira em nada se parece ao Reino. Quem nunca tem subido à montanha cai facilmente nas garras do rigor idolátrico que ignora o amor apaixonado. Eles transmitem sua fé como validação fraudulenta do mundano poder que reprime os espíritos humanos.
          É certo que, em Cristo, não cabem mediocridades. Para seus discípulos não existem tibiezas possíveis; só o radicalismo. Seus seguidores deixam todo para colocar-se no caminho.
        Por sua parte, os que desconhecem a brancura deslumbrante do amor transfigurado falsificam um compromisso radical, liberando as suas obsessões pelo cumprimento meticuloso do detalhe, do rito e da palavra precisa. Filtram as moscas, e tragam-se os camelos. Não proclamam o evangelho, senão a ilusória perfeição pessoal. Louvam ao Senhor com os lábios, mas não suscitam conversão, senão rebeldia, no povo desolado que procura em Deus sua liberação. Esta versão deformada da divindade provoca só ira nos corações do rebanho abandonado.
          Os falsos discípulos estão sempre com a cabeça metida entre as nuvens. Eles são incapazes de descer da montanha para viver, amar e servir. Suas vidas não dão fruto de misericórdia, pois, eles tem imposto uma doutrina insensata mediante ameaças e submissões. Preocupados das suas próprias virtudes, eles passam de longe pelo caminho quando um irmão mais precisa. Oferecem em holocausto aos mesmos filhos que Deus lhes tem encomendado. Não foi o estilo de Jesus. Tampouco, foi o objetivo de Jesus.
          Ficou como tarefa para Pedro, Tiago e João dar testemunha do amor desbordante que inclui os humildes, os doentes e os marginalizados. Agora, isto é mais urgente que nunca, porque os decepcionados pelo falso testemunho estão perdendo a esperança.
          O Reino não é uma doutrina que pode se impor. Ele começa com um jeito de ver o Senhor como Ele é, e deixar-se interpelar por Ele. Logo, deixar-se interpelar, também, por um povo que procura sua salvação nesta noite escura. Descendo da montanha, ao olhar para os outros com os olhos de Jesus, amar apaixonadamente, como Ele ama. Jesus convida à conversão; convida a entrar no Reino. Seus braços estendidos reconciliam o céu com a terra. Ele é a luz, o esperado dos tempos.

 A.M.D.G

Quaresma. 2.2009.2012. Ao descerem da montanha...

Gênesis 2:1-18, Sl 115, Rom 8,31-34; Mc 9,2-10

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